João Amazonas
1 de Junho de 1981
Colorido artificialmente.
Em sua luta pela transformação da sociedade, o proletariado, como a única força capaz de realizá-la, depara-se com inúmeros obstáculos. Um dos mais resistentes e enganadores, por suas características peculiares, é a social-democracia, corrente política de longa atuação nos meios operários. Com designações várias social-democrata, trabalhista, socialista e, mais recentemente, comunista-revisionista –, tem como fundamento o reformismo, a colaboração de classes, em última instância, a preservação do sistema capitalista. No Brasil, o social-democratismo encontrou dificuldades para se estruturar. Não porque inexistisse a concepção reformista da luta social, mas por carência de bases ideológicas definidas e também de certas condições objetivas. As tentativas empreendidas malograram. Atualmente procura implantar-se no país, em especial através do intitulado Partido dos Trabalhadores que, apesar do nome, não representa os interesses básicos do proletariado. O exame dessa variedade de oportunismo, tanto no campo político como no teórico, contribuirá para esclarecer setores equivocados acerca do significado da social-democracia como óbice à concretização dos ideais libertadores da classe operária e dos povos oprimidos.
Origem da Social-Democracia
A social-democracia nasceu como corrente revolucionária. Surgiu depois que o marxismo derrotou, no campo ideológico, o proudhonismo e o lassalismo, concepções anarquistas e pequeno-burguesas que predominavam no movimento operário dos meados do século XIX até a Comuna de Paris. Passo a passo, nos países economicamente desenvolvidos, criaram-se novos partidos proletários, baseados na doutrina marxista, para lutar contra a burguesia, por uma democracia social. Veio daí a sua designação. Em 1889, agruparam-se na II Internacional. Marx e Engels acompanharam com atenção o surgimento de tais partidos, procurando imprimir-lhes um nítido caráter de classe, vigilantes contra os remanescentes de idéias adversas da fase anterior.
“Dessa traição aos interesses cardeais do proletariado e da renúncia aos postulados revolucionários do marxismo, nasceu a corrente social-democrata contemporânea”.
Essas novas organizações de combate dos trabalhadores obtiveram, em curto prazo, importantes êxitos. Difundiram os ideais dos fundadores do socialismo científico, contribuíram para a elevação da consciência política do proletariado. Suas fileiras ampliaram-se. Em diversos pleitos eleitorais alcançaram sucessos consideráveis. Na Rússia, o Partido Social-Democrata, filiado à II Internacional, dirigiu a revolução de 1905, que trouxe valiosos ensinamentos. Também na Bulgária, a vanguarda operária tomou parte na sublevação popular desse mesmo ano. Ao aproximar-se a guerra de 1914-18, a II Internacional e os partidos que a compunham repudiaram, no Congresso Socialista Internacional de Basiléia (Suíça), de 1912, e no Congresso Social-Democrata alemão desse ano, o conflito bélico que se avizinhava. Indicaram, em suas resoluções, a tática a seguir: aproveitar a situação revolucionária criada pela guerra para “estimular o povo e precipitar a derrocada do capitalismo”. Contudo, aqueles partidos ainda não haviam chegado a assimilar completamente os métodos revolucionários da luta de classes, pois atuaram num período de evolução relativamente pacífica. Sua base ideológica, marxista, não estava consolidada. Além das concepções reformistas subsistentes, a maioria deles não se desprendera totalmente dos preconceitos nacionalistas burgueses, embora propagassem a legenda de Marx: Proletários de todos os países, uni-vos!. Dessa forma, quando começou o entrechoque das armas imperialistas, tais partidos (com exceção do Partido Bolchevique) e a II Internacional, puseram de lado as resoluções de Basiléia, aderiram à burguesia de seus países. Kautsky, o mais destacado dirigente e teórico do movimento operário de então, procurou justificar essa adesão criminosa. Considerou que, se bem a guerra “no fim de contas (fosse) imperialista” era também uma “guerra nacional”. Segundo ele, as classes dominantes revelavam, nesse confronto armado, tendências imperialistas, mas o povo e as massas proletárias manifestavam aspirações nacionais. Com semelhante sofisma, apoiou a guerra injusta em contraposição às decisões de 1912, nas quais se afirmava ser um crime os operários “dispararem uns contra os outros em benefício do capitalismo”. Todas as demais seções da II Internacional tomaram posições chauvinistas. Enfileiraram-se ao lado dos belicistas e opressores dos seus e de outros povos. Assim procedendo, a II Internacional afundou-se irremediavelmente. Dessa traição aos interesses cardeais do proletariado e da renúncia aos postulados revolucionários do marxismo nasceu a corrente social-democrata contemporânea. Os partidos que a integram converteram-se em “partidos operários nacional-liberais”. Ao mesmo tempo, ressurgiu o movimento operário revolucionário, marxista-leninista, com a criação dos Partidos Comunistas, que fundaram, em 1919, a III Internacional.
Movimento Burguês, a Social-Democracia Contemporânea
Os interesses fundamentais da classe operária estão na sua total libertação do sistema de escravidão assalariada, somente possível com a derrocada do capitalismo, através da revolução, e a edificação de uma vida socialista. Este objetivo exige a construção de um partido de luta de classes, armado com a teoria do movimento emancipador do proletariado, o marxismo-leninismo. Ele é o fator essencial para imprimir uma correta direção a essa luta, forjar a unidade dos trabalhadores, educar e mobilizar o proletariado, conscientizando-o de sua missão histórica. Tudo que sirva para retirar a classe operária dessa perspectiva, ajuda à burguesia. Não há meio termo. Ou o proletariado segue o seu próprio caminho, da luta sem quartel contra a classe exploradora, ou o caminho da burguesia, da conciliação de classes, da harmonia impossível de interesses entre o capital e o trabalho; ou constrói um partido da revolução ou um partido das reformas sociais que, em si mesmas, não visam à substituição do capitalismo, mas simplesmente aperfeiçoar as leis trabalhistas e melhorar as condições de vida dos explorados. Nesse contexto, a social-democracia contemporânea apresenta-se como um movimento de caráter burguês no seio do proletariado, tentando esquivar a solução revolucionária. Arma de engodo e divisão dos trabalhadores, tem por base social a aliança de uma parte dos operários (em geral da aristocracia semi-pequeno-burguesa da classe operária) com a burguesia, contra os interesses fundamentais do proletariado. Sua atitude no decurso da I Guerra Mundial não foi simples equívoco, mas uma tomada de posição definitiva ao lado e em prol dos exploradores, a adoção do oportunismo como o substrato de suas ações e objetivos. Em sua atividade, exalta a precária e limitada democracia burguesa, pregando o advento do socialismo através de eleições e do parlamentarismo. Guia-se pela conciliação de classes e pratica o pluralismo sindical. Seu alvo predileto é o combate sistemático ao verdadeiro partido da classe operária, tudo fazendo para dificultar a consolidação e a ampliação de sua influência entre as massas.
“Em várias oportunidades, a social-democracia, por temor à revolução, abriu caminho para o fascismo ou para a direita mais conservadora”.
A prática de várias décadas comprova a orientação oportunista e traidora que segue. Quase todos os partidos dessa tendência já estiveram ou se mantêm no poder. E o que fizeram? O Partido Socialista da França, por exemplo, esteve no governo na época da guerra contra a Argélia. Um de seus dirigentes, François Mitterand, na condição de ministro do Interior, tornou-se rancoroso carrasco do povo argelino em luta pela independência nacional; o Partido Trabalhista Inglês ocupou, diversas vezes, o posto de comando do Império Britânico, administrando a contento os interesses da comunidade imperialista inglesa; o Partido Social-Democrata da Suécia conservou-se à frente do governo durante cerca de quarenta anos, contribuindo para a "prosperidade" do capitalismo; na Itália, na Bélgica, na Noruega, na Holanda, na Dinamarca, também partidos desse tipo ocuparam pastas ministeriais. Na Alemanha Ocidental, que conta atualmente um milhão de desempregados, os social-democratas governam há bastante tempo, recorrendo frequentemente a métodos repressivos de tipo fascista, como a liquidação de prisioneiros políticos nos cárceres. Todos eles aperfeiçoaram-se na técnica de gerir negócios da burguesia. Nenhum liquidou a escravidão assalariada, nenhum pôs termo às mazelas do capitalismo, nenhum conduziu o proletariado ao socialismo científico. Sobretudo nas épocas de crise, contiveram as massas operárias e levaram-nas a conformar-se com o desemprego, com a rebaixa dos salários e a supressão de muitas de suas conquistas. Auxiliaram os capitalistas a remover suas dificuldades à custa dos trabalhadores. É, aliás, a política que hoje realizam na Europa, com mais de dez milhões de desempregados, onde a carestia de vida aumenta sem cessar, bem como as taxas de impostos que recaem sobre os assalariados. Em várias oportunidades, a social-democracia, por temor à revolução, abriu caminho para o fascismo ou para a direita mais conservadora. Hitler chegou a dominar o Reich graças à covardia da social-democracia alemã, que preferiu o tirano da cruz gamada à frente-única com os comunistas contra o hitlerismo. Recentemente, o Partido Trabalhista Inglês e o Partido Social-Democrata da Suécia favoreceram, com sua orientação titubeante e ineficaz, a vitória do conservadorismo mais empedernido. Em Portugal, os socialistas de Mário Soares, juntamente com os revisionistas de Álvaro Cunhal, facilitaram o avanço da direita fascistizante. Na Espanha, o Partido Socialista Operário é um dos braços fortes da monarquia herdada do franquismo. A reboque do Rei, deixa o campo livre aos militares reacionários e golpistas. Desmascarada como reduto camuflado da burguesia no seio do proletariado, a social-democracia perdeu influência, enquanto cresceu o movimento revolucionário da classe operária que, às vésperas e depois da Segunda Guerra, representava poderosas forças, atuando de forma independente e com suas próprias bandeiras socialistas. Embora desgastada, a social-democracia não desapareceu. Sua tendência atual é fazer-se cada vez mais contra-revolucionária, fenômeno, em certo sentido, inevitável. Porque a burguesia se torna mais monopolista e exploradora, agressiva e fascistizante, procedimento que se reflete na conduta de seus agentes nos meios operários. Seu principal ponto de apoio, hoje, está na Alemanha Ocidental, onde governam os Willy Brandt e Helmut Schmidt, velhos “pelegos” e serviçais da reação. Nesta fase de crise geral do capitalismo e de descontentamento generalizado do proletariado e das massas populares, a social-democracia alemã, de braços dados com o imperialismo norte-americano e o Vaticano, trata de criar novos partidos social-democratas nos países de certo desenvolvimento capitalista, em particular naqueles onde a revolução amadurece e os regimes ditatoriais entram em decomposição. Isso ocorreu em Portugal, na Espanha e na Grécia. No Irã chegou tarde, quando a insurreição já havia ganho as ruas. De igual modo, procede na América Latina, buscando contato direto com líderes populares e operários. Estimula, financia, dá cobertura, fornece experiências. Esses novos partidos a ela ligados visam não apenas desviar a classe operária do seu caminho. Servem também de apoio indireto à penetração do capital germânico, sabido que os investimentos alemães, como os do Japão, vêm logo depois dos norte-americanos, nos países dependentes. A par da antiga forma social-democrática, configurou-se, no plano mundial, outra versão dessa corrente oportunista.
Nova Versão e Reforço da Social-Democracia
Em meados da década de 1950 operou-se profunda divisão do movimento operário e comunista internacional. Em certo sentido, repetiu-se o fenômeno de 1914-18, que deu nascimento à social-democracia atual e impulsionou o reagrupamento dos partidos marxistas-leninistas. Com um agravante: a União Soviética abriu caminho aos inimigos disfarçados da revolução e do socialismo. O marco separatório foi o XX Congresso do PCUS, em 1956. Ali se pregou nova linha para o movimento operário, a linha do caminho pacífico, da competição pacífica e da coexistência pacífica, basicamente as mesmas posições da social-democracia. Em aparência, conservavam-se os princípios, falava-se em marxismo-leninismo. As mudanças seriam tão-somente frutos da “nova época”... que, entretanto, permanecia imperialista. Na realidade, não se fazia mais do que assumir a falsa e hipócrita posição da qual Lênin acusava os social-democratas quando de sua traição no curso da Primeira Guerra.
“(...) tanto as organizações sindicais social-democratas como as que se acham em mãos dos revisionistas, trabalham na mesma direção: conter a luta do proletariado e ajudar a burguesia a sair da crise”.
Dizia o chefe do Partido Bolchevique que os desertores social-democratas não eram senão continuadores do struvismo.
"O struvismo – sublinhava ele – não é apenas uma tendência russa (burguesa), mas também, como o demonstram com particular evidência os últimos acontecimentos (referia-se ao período de 1914-18), a aspiração internacional dos teóricos da burguesia de matar o marxismo "abrandando-o", de asfixiá-la com um abraço apertado, reconhecendo em aparência "todos" os aspectos e elementos "verdadeiramente científicos" do marxismo, salvo o seu lado "agitador" , "demagógico" , e "utópico blanquista" ”.
E acrescentava:
“Em outros termos. tomam do marxismo tudo que é aceitável para a burguesia liberal, até a luta por reformas, até a luta de classes (sem ditadura do proletariado), até o reconhecimento "geral" dos "ideais socialistas" e a substituição do capitalismo por "um novo regime", deixando de lado "somente" a alma viva do marxismo, "somente" seu espírito revolucionário”.
De fato, os partidos outrora comunistas, marxistas-leninistas, ao aderirem ao revisionismo kruscheviano, passam a destacar do marxismo apenas aquilo que convém à burguesia. Têm como característica principal o reformismo, a conciliação de classes. Seu anhelo maior (nos países onde domina o capitalismo na sua forma clássica) é chegar ao Poder burguês e administrar os negócios dos capitalistas, em colaboração com os que o servem, recolhendo dessa colaboração algumas migalhas para a classe operária a fim de mantê-la “comportada”, inativa, sem perspectiva. Muitos são os exemplos. O Partido Comunista Italiano, de Berlinguer, querendo ganhar as boas graças da burguesia da Itália e a confiança do imperialismo norte-americano, a fim de ocupar postos no governo, despede-se de todos os adornos revolucionários e advoga o “compromisso histórico” de manter-se fiel às instituições burguesas, em detrimento dos interesses essenciais do proletariado. O mesmo faz o Partido Comunista de Santiago Carrillo, na Espanha, que chega a converter-se em pilar da monarquia, contra os ideais republicanos do povo espanhol. Na França, o partido revisionista de Georges Marchais empenha-se na aliança com Mitterrand, na esperança de alcançar postos governamentais. Em Portugal, o partido de Álvaro Cunhal aproxima-se de generais reacionários, tentando encontrar uma ponte para o retorno ao governo. Vários desses partidos, em sua evolução conciliadora, abjuram publicamente a idéia da ditadura do proletariado, da violência revolucionária, até mesmo a declaração formal de que se orientam pelo marxismo-leninismo. As poderosas organizações sindicais que obedecem à sua orientação transformam-se, como as organizações sindicais social-democratas, em anteparo das ações combativas das massas, em freio às iniciativas mais audazes da classe operária. Na crise atual em que vive o mundo capitalista, tanto as organizações sindicais social-democratas, como as que se acham em mãos dos revisionistas, trabalham na mesma direção: conter a luta do proletariado e ajudar a burguesia a sair da crise. Não obstante, devido às posições anteriores ao lado da União Soviética, que hoje disputa com os EEUU, o domínio do mundo, e por suas recentes origens, os partidos do revisionismo contemporâneo não merecem ainda crédito suficiente para ocupar funções de governo. Constituem uma reserva da burguesia para utilização futura, provavelmente num momento de crise revolucionária. Por enquanto, são pontos de apoio dos governos reacionários no seio das massas, no Parlamento e noutras instituições.
Essa traição dos revisionistas ao movimento operário vem reforçar o social-democratismo como doutrina e prática anti-socialista, contra-revolucionária. Evidentemente, a social-democracia, em suas distintas versões, constitui no presente o instrumento principal da burguesia visando impedir o progresso social, conter a revolução e sustentar o regime capitalista em declínio.
A Social-Democracia no Brasil
Até algum tempo atrás, a social-democracia não chegara a vingar no Brasil. Em certo sentido, não existiam condições objetivas para isso. Era débil o desenvolvimento capitalista. A luta social não lograra alcançar nível muito elevado, apesar da existência do Partido Comunista, desde 1922. Esse tipo de luta, ainda no início, sofria violenta repressão. Os sindicatos viviam perseguidos, proibia-se a atuação de partidos operários ou ligados à classe operária. Por fatores diversos as idéias da luta social, os livros marxistas tinham circulação restrita. O movimento político de maior expressão, em virtude das condições particulares de país dependente e atrasado, tomava caráter democrático ou nacional-libertador. A partir de 1930, a luta social adquiriu impulso novo. Mas, boa parte do proletariado orientou-se para o reformismo. Vargas foi o estimulador dessa tendência. Chegou a decretar a participação de uma bancada “classista”, eleita pelos sindicatos reformistas, para integrar a Assembléia Nacional Constituinte de 1934. Por seu turno, aumentou consideravelmente a influência do Partido Comunista do Brasil, que dirigiu poderosas greves e organizou o movimento revolucionário da Aliança Nacional Libertadora. Até o imediato após-guerra (1945), a social-democracia, como corrente política definida, não conseguiu tomar forma orgânica. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), surgido em 1945, e criado, como declarou seu fundador, Getúlio Vargas, para impedir que o proletariado aderisse em massa ao PC do Brasil, não chegou a ser social-democrata propriamente dito. Foi mais um partido reformista, popular e nacionalista, com latifundiários e burgueses em sua direção. As primeiras manifestações da corrente social-democrata surgiram com o chamado Partido Socialista, que existiu até 1964. Todavia, esse partido não conseguiu penetrar na classe operária, limitou-se a camadas pouco expressivas da pequena burguesia.
“(...) emergiu uma camada de trabalhadores melhor remunerados que constitui, pelas condições de vida e mentalidade, aquilo que pode se chamar de aristocracia operária. Objetivamente, criaram-se condições para a formação de partidos social-democratas”.
Tentativa mais séria ocorreu nos fins dos anos 1950, com o abandono pelo partido, dirigido por Luiz Carlos Prestes, das posições revolucionárias do marxismo-leninismo e a aceitação das teses revisionistas do PCUS. Esse partido converteu-se, objetiva e subjetivamente, numa organização de tipo social-democrata. Mas, com a implantação da ditadura em 1964, que aboliu e perseguiu indiscriminadamente os movimentos políticos no país, não pôde levar adiante, abertamente, a pregação social-democrática que vinha realizando entre os trabalhadores. Desintegrou-se em grande parte, durante a fase terrorista da ditadura. Além do mais, reorganizou-se, em 1962, o PC do Brasil, que realizou intensa luta ideológica de desmascaramento do revisionismo, alertando a classe operária e as massas populares para o desvio oportunista que se manifestava nas hostes do prestismo. Entretanto, nestes últimos quinze-vinte anos, o Brasil passou por um relativo desenvolvimento capitalista, embora de caráter dependente. Aumentaram consideravelmente as forças da classe operária e acentuaram-se mais ainda as contradições sociais. Simultaneamente ao aumento quantitativo do proletariado emergiu uma camada de trabalhadores melhor remunerados que constitui, pelas condições de vida e mentalidade, aquilo que se pode chamar de aristocracia operária. Objetivamente, criaram-se condições para a formação de partidos social-democratas. Por isso, quando a ditadura começou a evoluir para um regime menos rígido, despontaram as iniciativas dessa natureza. Brizola, no exterior, foi procurado pela social-democracia alemã e iniciou conversações nessa área. Aos experientes empulhadores da classe operária da Alemanha Ocidental parecia que o ex-governador do Rio Grande do Sul, com seu trabalhismo e o prestígio de que desfrutava entre as massas até 1964, seria o homem ideal para realizar aquela tarefa. E foi arvorando a bandeira da social-democracia alemã que ele realizou contatos políticos com seus correligionários na Europa e retomou do exílio. Mas o antigo PTB (depois PDT), travestido de social-democrata, não empolgou as massas trabalhadoras. O prestígio popular de seu líder decai com a renegação das posições passadas e com sua evidente aproximação do governo militar. O PDT, ex-PTB, não chega a ser nem mesmo o partido populista e nacionalista que fora antes. Também os revisionistas, agora divididos em duas alas, ambas social-democratas, uma (representada por Prestes) mais ligada à União Soviética e outra, aos eurocomunistas, igualmente em contato cordial com os traidores do Kremlim, empenham-se em fortalecer-se no país. Estão, porém, bastante desgastados e desmoralizados em vista do fracasso de sua política na época de Goulart. Apóiam-se, entre os trabalhadores, em antigos pelegos. A ala eurocomunista, que controla o PCB, defende uma política vergonhosa de conciliação, de respaldo ao governo Figueiredo, de elogios às Forças Armadas reacionárias, de moderação das lutas do povo. Tudo isso não lhes dá muita chance de progredir, apesar do apoio que recebem da burguesia em todos os terrenos. A esperança maior da social-democracia no Brasil reside, atualmente, no Partido dos Trabalhadores, dirigido pelo metalúrgico Luiz lnácio da Silva.
Um Partido Falsamente Proletário
Um partido não pode ser considerado operário simplesmente por sua composição social ou pela origem proletária de alguns de seus dirigentes, ou mesmo de todos eles. Nenhum partido é tão densamente constituído de operários como o Partido Trabalhista Inglês. E, todavia, não passa de um partido burguês. O que caracteriza socialmente qualquer partido é, acima de tudo, a sua ideologia e, também, a vinculação com a classe que representa, a par da predominância de elementos dessa classe em suas fileiras. Ora, o Partido dos Trabalhadores não adota a ideologia do proletariado, ao contrário, a repudia. As idéias defendidas pelo seu principal dirigente, embora expressas numa linguagem obreirista, nada têm a ver com os interesses básicos da classe operária. Em essência, o PT é um partido tipicamente social-democrata. Surge com a reorganização partidária promovida pela ditadura, que veda de forma categórica a legalização do Partido Comunista do Brasil e de outras forças de esquerda, admitindo, porém, a criação de um partido daquele tipo. É significativo o fato de que, na época, havia “empresários e gente do governo querendo criar um partido de trabalhadores”. Seus antecedentes acham-se na poderosa greve de São Bernardo que mobilizou amplas massas operárias das indústrias automobilísticas, e teve larga repercussão em todo o país. Luiz Inácio da Silva dirigiu com êxito essa greve. De uma hora para outra destacou-se no cenário nacional, em particular, em São Paulo. Estranhamente, viu-se incensado por governantes e pela burguesia. Delfim Netto disse: “Lula é a coisa mais maravilhosa que aconteceu nos últimos tempos”.(1) Petrônio Portela, articulador da pretensa abertura de Figueiredo, recebeu-o e depois declarou: “a partir de hoje passarei a defender algumas das teses que você me trouxe”. Logo após, mereceu o “apoio de Dilermando”, general-comandante do II Exército. Ruy Mesquita, proprietário do Estadão e do Jornal da Tarde, órgãos de imprensa conservadora, falou na “castidade ideológica do Lula” e asseverou: “pela primeira vez na história do sindicalismo brasileiro surge um líder sindical em estado de pureza”. Até março de 1978, Luiz Inácio faz questão de ressaltar ser apolítico e preferir “preparar a classe trabalhadora para saber optar”. Porém, não demora muito a se definir pela organização de um partido político, o chamado Partido dos Trabalhadores. Quais idéias caracterizam a fisionomia do PT? Elas encontram-se fragmentadas numa série de declarações de seu fundador. Declarações contraditórias e estapafúrdias, mas com um sentido real do que pensa e pretende esse líder sindicalista. Vão desde o economicismo estéril até os elogios (em geral) às Forças Armadas e a admiração da “disposição, força e dedicação” de Hitler.
“O Partido, para Luiz Inácio, não deve previamente definir sua feição ideológica”.
Embora afirme ser a proposta do PT “praticamente socialista” (singular proposta socialista!), defende “a livre iniciativa no campo econômico” que considera “a essência da democracia”. Segundo ele, “deve haver o direito de produzir e lucrar” e também o de “os trabalhadores exigirem sua participação em parte desses lucros”, dois direitos bastante desiguais porque um é o de explorar e, o outro, o de ser explorado (somente que com melhor remuneração). Propugna o “equilíbrio entre o capital e o trabalho” como requisito indispensável “à paz social”. Quer que os empresários nacionais
“entendam que os trabalhadores não têm só que sobreviver, mas têm que comer bem para continuar produzindo e poderem dar até mais lucros para as empresas” (grifo meu).
Tais idéias não vão além do liberalismo burguês. Porque o interesse do proletariado é acabar com a escravidão assalariada e não apenas reclamar melhores condições de vida. A “essência da democracia” não está na livre iniciativa, sobretudo na época dos monopólios, mas na natureza de classe do regime dominante. Quanto à paz social no sistema capitalista, outra coisa não é senão a colaboração de classes. A burguesia e o proletariado estão numa espécie de guerra permanente: uma, buscando aumentar a mais-valia, o lucro sempre maior, e o outro, resistindo à exploração. O meio termo não existe. O Partido, para Luiz Inácio, não deve previamente definir sua feição ideológica. Que as massas, pela própria experiência, a definam... Depois de lançar um programa genérico, quer que elas mesmas descubram “se são ou não socialistas ou comunistas”. E o tipo de sociedade a construir terá de ser, segundo ele, delineado espontaneamente pelos trabalhadores. Estranho partido! Um partido sem norte, que vaga ao sabor dos acontecimentos. Um partido seguidista, oportunista. A definição ideológica e o plano de sociedade a edificar, num partido operário, são produtos de uma consciência socialista que não surge de maneira espontânea das relações entre patrões e operários. Sem consciência socialista, a classe operária não tem condições de formular seu projeto de libertação social. O Partido é o fator consciente do movimento operário. Parte inseparável das massas trabalhadoras e apoiado na teoria revolucionária, ele é que elabora as questões essenciais da luta de classes, que fixa as metas a alcançar, sendo a mais importante a derrocada do capitalismo e a construção do socialismo, sob a direção do proletariado. No que respeita à ação, Luiz Inácio dá prioridade à luta econômica dos operários contra os empresários e o governo, colocando em segundo plano a ação política da qual depende, em boa parte, a solução dos problemas que afligem os trabalhadores.
“Algumas pessoas – afirma – imaginam que deve haver a redemocratização para haver uma liberdade sindical, uma modificação na estrutura sindical brasileira”.
E indaga:
“Quem disse que primeiro não tem de haver a briga do trabalhador pela modificação da estrutura sindical, para haver a democratização?”. “Para nós – sublinha – democracia é liberdade sindical e a partir daí (...) alcançaremos uma democracia plena”.
Chega ao ponto de considerar que o fim do AI-5 “não tem nenhum interesse para a classe trabalhadora”. Como se vê, são opiniões próprias dos “economicistas”, com ranço proudhonista, daqueles que não compreendem, ou não querem entender, o papel fundamental da luta de classes precisamente no campo político, onde se confrontam as diversas forças da sociedade, envolvendo o problema-chave do poder. Liberdade sindical no Brasil, pela qual se deve pugnar, é inseparável da conquista da liberdade política, sem a qual o proletariado não conseguirá libertar verdadeiramente suas organizações de massas da camisa-de-força do controle governamental e policial. Em seu retorno ao país, após uma propagandeada excursão pela Europa e os Estados Unidos, no decorrer da qual encontrou-se com o que há de mais reacionário, anticomunista e oportunista, inclusive com os social-democratas alemães, Luiz Inácio revelou claramente as tendências políticas e ideológicas com as quais guarda afinidades. Seu ideal é a social-democracia.
“Para mim – disse ele –, o sindicalismo alemão e o sueco são os que se aproximam daquilo que eu gostaria que existisse aqui”. (Um sindicalismo amarelo, reformista, de colaboração de classes...).
Mereceu-lhe igualmente rasgados elogios o tristemente célebre Partido Comunista Italiano, do revisionismo de Berlinguer,
“um partido democrático de massas, contando com milhões de filiados”.
Deslumbrou-se também com o Partido Social-Democrata da Suécia.
“No geral, fiquei com a impressão de que a linha do partido social-democrata sueco, de todos os que conheci, é a mais correta”.
Enalteceu do mesmo modo o Partido Socialista Operário (social-democrata) da Espanha e seu dirigente Felipe Gonzales.
“Eu acho que Gonzales será, junto com o PSOE, a grande figura da unidade da classe trabalhadora espanhola”.
Na entrevista que concedeu na Itália a Pino Cimó, declarou-se simpatizante do
“socialismo escandinavo que, penso, se denomina social-democrático”.
“(...) demonstra ser o PT (...) um partido reformista, da paz social...”
Tudo quanto ele disse demonstra ser o PT, que procura implantar-se na classe operária, um partido reformista, da paz social, um partido social-democrata, ainda temeroso de assumir abertamente sua verdadeira filiação ideológica. Seu objetivo principal, como o da social- democracia em toda parte, é desviar o proletariado da luta revolucionária, da luta pelo socialismo científico, impedir sua unidade e dificultar o avanço na formação da sua consciência de classe. Tenta fazer sombra ao PC do Brasil, cuja autenticidade é negada pela cúpula dirigente desse agrupamento pretensamente proletário.
É provável que Luiz Inácio, neófito em política, não tenha uma idéia clara dos fins que persegue a organização por ele fundada. Mas se não a tem, o mesmo não se pode dizer dos trotskistas, dos anticomunistas ferrenhos da Igreja, dos renegados do marxismo-leninismo que formam sua entourage, são seus assessores e companheiros de direção partidária. Estes sabem muito bem o que querem: estorvar o proletariado de se organizar com o fim de cumprir a sua missão histórica. E que o PT serve, às mil maravilhas, a esse propósito, não há dúvida. Precisamente por isso, torna-se o ponto de encontro de todos os que, por reformismo ou anticomunismo, opõem-se aos verdadeiros ideais da classe operária, somente realizáveis sob a direção de um partido marxista-leninista, como comprova a experiência histórica. Certamente, o PT e seu líder sofrem também perseguições, como os patriotas e democratas em geral, uma vez que ainda vivemos sob um regime arbitrário. Isso não nega, entretanto, o caráter daquela organização política, suas finalidades conciliador4as, seus intentos diversionistas na luta de classes. A crítica que se lhe faz é uma crítica de princípios, voltada em especial para o esclarecimento das massas laboriosas que procuram o caminho da emancipação As tentativas de criação de uma base social-democrática no país não é fenômeno casual. São sintomas de que amadurecem condições objetivas e subjetivas favoráveis à revolução, condições que se manifestam no aprofundamento e agravamento das contradições sociais, no rápido aumento dos efetivos da classe operária, na crescente subordinação do país ao capital estrangeiro e na existência de um Partido Comunista do Brasil, que rompeu com o oportunismo, possui experiência de luta e se orienta pela teoria do marxismo-leninismo. Justamente por isso, os elementos mais esclarecidos na burguesia e seus agentes (conscientes ou não) esforçam-se por criar e desenvolver organizações supostamente socialistas, que falem uma linguagem proletária e se apresentem como força de transformação social, a fim de entorpecer a consciência das massas, evitar o despertar político dos trabalhadores, já que estes, intuitivamente, conforme assinala Lênin, “tendem para a consciência como a planta tende para a luz”. Em última análise, é o reconhecimento da existência de possibilidades reais de as massas enveredarem pelo caminho da libertação. Daí o empenho em procurar desviar sua marcha redentora por meio do engodo. Não é fatal, porém, que a social-democracia consiga implantar-se efetivamente, com êxito, no Brasil. Empunhando a bandeira social-democrática, o PC Brasileiro sofreu grave derrota política em 1964, convertendo-se de partido relativamente grande numa pequena organização; erguendo a bandeira da social-democracia alemã, o partido de Brizola viu minguar seu potencial de influência entre as massas; o PT, apesar de haver mobilizado algumas lideranças sindicais, não conseguiu até agora deitar raízes no proletariado, tem maior penetração entre os estudantes e a classe média em geral. Tudo isso indica que a social-democracia não consegue introduzir-se facilmente no país. Será, porém, incorreto subestimá-la. O dano que poderá causar ao movimento operário não é pequeno. Impõe-se combatê-la, esclarecendo seus verdadeiros propósitos, artimanhas táticas e falso caráter proletário. Erradicando as tendências reformistas entre os trabalhadores e propagando as idéias revolucionárias do socialismo científico.
Fonte: marxists.org
Notas de rodapé: (1) Todas as passagens aspeadas, com relação ao Partido dos Trabalhadores, que constam deste artigo foram retiradas do livro Lula – Entrevistas e Discursos e da entrevista de Luiz Inácio da Silva, publicada no jornal Em Tempo, de 12 a 24 de março de 1981.
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