James Connolly
3 de junho 1900
Em toda discussão sobre os objetivos e objetos de um partido socialista, alguém certamente objetará dizendo que, mesmo que o partido derrote seus oponentes e esforce-se para estabelecer seus ideais como um edifício social e político, as dificuldades que surgiriam da inabilidade do povo comum para entender a complexidade do sistema social a que foram convocados para administrar, infalivelmente levaria à queda da nova ordem. Essa objeção nos parece exagerada considerando o fato de que a maioria dos que atualmente são confiados com o trabalho de organizar e administrar o sistema capitalista são completamente ignorantes quanto a todos os desenvolvimentos do sistema fora de sua própria área de trabalho.
Não é necessário que todos, ou até mesmo uma boa parte, os envolvidos no trabalho devam ser capazes de dar explicações inteligentes sobre múltiplos processos de produção, ou ainda que sejam qualificados o bastante para traçar todo o caminho de refinamento da commodity em que trabalham, desde a crueza da matéria-prima até a perfeição do produto final, na forma como chega ao consumidor final. Só é necessário que cada trabalhador execute sua própria tarefa com a devida habilidade e escrupulosamente; aos poucos necessários como organizadores da indústria, pode ficar o trabalho de ajustar e conectar peças. Mesmo essa última função – por mais formidável que pareça quando afirmada tão diretamente – pode ser reduzida a mera função automática a ser executada como parte do trabalho rotineiro do pessoal administrativo.
Qualquer um que reflita sobre o mecanismo do sistema capitalista pode rapidamente perceber como as principais artérias de comércio quase não dependem da organização internacional e o quanto elas dependem da ação recíproca dos interesses econômicos envolvidos em primeira mão. Onde a organização internacional do socialismo realmente atuará, ela irá facilitar e simplificar muitas das dificuldades constantemente surgidas no capitalismo como resultado de conflitos de interesses pessoais. Consequentemente, a organização socialista da indústria preservará a efetividade devido ao desenvolvimento do capitalismo enquanto completamente evita a fricção e disputa que envolve a competição capitalista.
Também é bom lembrar as diversas coisas que, em uma sociedade civilizada, somos todos incentivados a aceitar só com base na confiança nos outros. Pode-se dizer com segurança que o que chamamos de “progresso” ou civilização não seria possível se cada indivíduo na comunidade, ou até mesmo uma maioria, insistisse em conseguir completo domínio teórico e técnico sobre, digamos, cada nova aplicação da ciência às necessidades da vida antes de consentir permitindo seu uso. Há poucas pessoas hoje que não confiariam si mesmas a um trem, mesmo sem entender absolutamente nada do mecanismo do motor a vapor, caixas de sinais, pontos e freios; nós temos gás em nossas casas, lojas e prédios públicos há diversas gerações, mas até hoje o número de pessoas que realmente entendem os processos de produção, armazenamento e distribuição é extraordinariamente pequeno, mas isso não nos impede de usá-lo mesmo sendo conhecida sua natureza tóxica e explosiva. E assim poderíamos continuar enumerando muitas coisas de uso diário – uso que envolve risco à vida – que são aceitas e usadas livremente pela maioria das pessoas sem se preocuparem em adquirir um conhecimento perfeito de seus princípios ativos.
O mesmo pode ser dito sobre dos esperados maravilhosos e misteriosos resultados a serem alcançados sob o socialismo – resultados maravilhosos demais para serem realizados. No socialismo, não há nada tão anormal que sua realização pudesse superar em estranheza coisas que vemos ao nosso redor no dia a dia e calmamente aceitamos com a maior equanimidade. Na proporção que a comunidade pode organizar o trabalho de produção e distribuição de tal forma que muito pode ser fornecido a todo ser humano, não há nada, considerando o maquinário atual, minimamente tão extraordinário quanto o fato de que um cavalheiro sentando para jantar em Dublin manda um telegrama para um amigo na Austrália e esse amigo recebe esse telegrama antes que seu correspondente em Dublin tenha terminado o último prato de sua refeição. O fato de pessoas na Irlanda estarem lendo histórias de batalhas na África do Sul, sete mil milhas de distância, enquanto essas batalhas ainda estão ocorrendo, é muito mais intrinsecamente maravilhoso do que um sistema de sociedade em que o trabalho aproveita o produto de seu esforço, e que nem tiranos hereditários nem exploradores capitalistas são tolerados.
Se esses estranhos desenvolvimentos foram aceitos enquanto o socialismo ainda é rejeitado, é poque os interesses econômicos pessoais das classes que controlam as forças educativas e governamentais do mundo estão alinhados com tais desenvolvimentos e ao mesmo tempo diretamente opostos ao socialismo. Entretanto, os trabalhadores são a maioria e seus interesses estão alinhados com o socialismo, o qual pode, portanto, ser realizado assim quem eles desejarem e forem resolutos o bastante para colocar seus desejos em prática.
Fonte: marxists.org
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